29 de julho de 2020

O Eterno Marido - Fiódor Dostoiévski

Tempo de leitura:

Literatura Russa
Título Original: Vechnyj Muzh
Tradutora: Marina Guaspari
Editora: Nova Fronteira
Edição de: 2017
Páginas: 176

39ª leitura de 2020

Sinopse: Fiódor Dostoiévski foi um dos maiores romancistas da história, e seus mergulhos psicológicos na alma humana deixaram grandes marcas na literatura. Publicada em 1870, a novela O eterno marido é considerada uma de suas criações mais poderosas e perfeitas, com uma veia humorística mordaz e uma compreensão profunda do trágico e do cômico. Nela, o autor russo descreve o encontro quase surreal de um viúvo traído com o amante de sua esposa morta. Passando por temas como moralidade, amor erótico, tortura mental e neurose, a obra revela a genialidade de Dostoiévski.




Depois de ler Crime e Castigo (e ter me apaixonado pela história!) é claro que eu criei grandes expectativas em relação aos outros livros do autor. Talvez por isso não tenha apreciado tanto assim a história presente em O Eterno Marido

É um livro curtinho, de menos de 200 páginas. Trata-se na verdade de uma novela, e nos traz a história de dois homens que se conheceram no passado e que supostamente foram grandes amigos, mas não se veem há nove anos, tendo cortado por completo os laços, sem nenhuma explicação ou desentendimento. 

Alexei Ivanovitch é um homem perto dos seus 40 anos, que está atormentado por conta de um processo para receber determinada herança. Como é bastante ansioso, vive interferindo no trabalho de seu advogado, que já não o suporta mais, além de ir pessoalmente perturbar os funcionários da Justiça, atrapalhando o andamento do próprio processo com seu comportamento. 

Dado à melancolia, Alexei acredita que nada dá certo em sua vida, reclama do apartamento que teve que alugar durante o tempo necessário para acompanhar o tal processo e se envergonha muito de ter decaído. Antes era alguém importante, que fazia parte da alta sociedade, mas ao arruinar-se financeiramente (mais de uma vez) não podia mais frequentar os mesmos espaços, nem mesmo comer onde realmente desejaria, tendo que se contentar com uma vida menos luxuosa. Tudo isso contribui para provocar alterações no seu humor e na sua forma de encarar a vida, o que também considera ser culpa de sua "velhice" (pois por estar perto dos quarenta anos já se considera um idoso). 

"[...] deve haver no Além quem se preocupe com o meu estado moral e me mande estas malditas recordações, estas 'lágrimas de arrependimento'! Seja! Mas isso não adianta; é pura perda. [...] Que adiantam as recordações, se nem mais ou menos consigo emancipar-me de mim mesmo?"

Nas últimas semanas, ele mal conseguia dormir, sofrendo constantemente de insônia, e quando era possível dormir era comum ser atormentado por pesadelos. Como se não bastasse, havia uma inquietação que parecia não querer abandoná-lo. Do nada, se via lembrando de coisas do passado... de momentos nos quais tinha feito coisas que prejudicaram a vida de outras pessoas. E isso o irritava demais. Não sabia por que aquelas lembranças resolviam retornar agora. De que adiantavam? Não se arrependia. Se pudesse voltar no tempo faria tudo de novo, certo? Mesmo assim, a inquietação permanecia, tornando cada dia um inferno. 

Ele sentia que a real causa para toda aquela perturbação era o desconhecido. Sim, o homem que encontrara na rua mais de uma vez. Cinco, para ser mais preciso. Como se o estranho o estivesse perseguindo, como se o conhecesse e buscasse alguma coisa. Por mais que tentasse, Alexei não conseguia recordar se ele era alguém do seu passado, se havia algum motivo para estar atrás dele. 

"Dentre os vários pensamentos que lhe cruzavam a mente, um lhe causou sensação particularmente penosa: a quase certeza de que o homem de luto outrora o conhecera intimamente;"

O reconhecimento só acontece quando o estranho, no meio da madrugada, vai até o apartamento de Alexei. É aí que, ao ver-se cara a cara com o homem, ele lembra exatamente de quem se tratava. Pavel Pavlovitch, seu amigo do passado. O amigo que ele não via há nove anos... desde que parara de "dormir" com a esposa dele. 

Não entendia o que Pavel poderia querer com ele. O homem estava de luto, como a fita em seu chapéu evidenciava, e logo Alexei descobre que Natália, a esposa de Pavel (e sua ex-amante) falecera poucos meses antes. A notícia não lhe provoca nenhuma dor, pois há muito tempo não pensava mais em Natália. E tudo o que lhe preocupava era a possibilidade de Pavel ter descoberto a traição e ter ido ao seu encontro para se vingar... Seria possível? Depois de todos aqueles anos? 

Tudo se complica quando Alexei descobre que seu antigo amigo não estava na cidade sozinho. Que viera com uma filha pequena. Uma criança cuja idade levantava a possibilidade de ela ser... sua filha. 

Eu tenho que concordar com a sinopse do livro: o reencontro entre Alexei e Pavel é, no mínimo, surreal. A maneira como o marido traído se comporta nos faz pensar que ele estava completamente maluco, que a morte da esposa o fez perder por inteiro o juízo. Ao mesmo tempo, pensamos que ele está interpretando um papel, que existem motivos secretos para ter ido atrás do seu "amigo", que ele descobriu a traição e está planejando alguma vingança assustadora. E conforme prosseguimos na leitura mais desconfiados ficamos. Só esperando pelo "grande momento". 

"Você é um monstro e, em consequência, em você tudo tem de ser monstruoso: seus sonhos e suas esperanças."

De modo algum eu gostei dos personagens. Tanto Alexei quanto Pavel são duas pessoas detestáveis, que não nos provocam nenhum sentimento bom. Ambos eram capazes de fazer coisas horríveis, sem se importar com o outro, pensando apenas no que sentiam e desejavam. Ao longo da leitura e das descobertas que vai fazendo, Alexei aparentemente começa a se transformar, mas é algo que não vai se mostrar verdadeiro, para minha profunda irritação. Quanto ao Pavel, ele só me provocou ódio. Não havia desculpas para a maneira como ele tratava a pequena Lisa, a menina que o chamava de pai, que acreditava ser sua filha e não podia ser condenada pelos erros da mãe. 

A única personagem que me provocou carinho foi a Lisa. Vendo aquela criança tão aterrorizada e mesmo assim desejando estar ao lado do pai, eu senti uma revolta enorme. E o que acontece depois... Não posso contar para não dar spoilers, mas posso dizer que eu quis acabar com o Pavel. E não, falar da Lisa não é spoiler, pois tudo isso está basicamente no início do livro. A história em si trata da estranha relação que se estabelece entre Alexei e Pavel após o reencontro deles

Em resumo, é uma boa história, mas apenas isso. Vai abordar questões psicológicas como em Crime e Castigo, mas não da mesma maneira. Os protagonistas são confusos, com vários problemas interiores, vivendo um inferno dentro de suas mentes. Um inferno provocado por eles mesmos, claro. Mas eu não lamentei por nenhum dos dois. 

Há também um certo suspense e umas cenas um pouco assustadoras no livro, por conta do mistério envolvendo o reaparecimento repentino do Pavel na vida do Alexei. Assim como o ex-amante da mulher do outro, nós leitores não sabemos com certeza se o outro não descobriu a traição, se não terá aparecido atrás de vingança. E aí teremos todo o suspense e algumas cenas perturbadoras. 

Não é um livro que eu recomendaria para quem deseja conhecer o autor. Se eu tivesse começado por ele provavelmente não sentiria vontade de ler suas outras obras. Mas como meu primeiro contato com o autor foi através do maravilhoso Crime e Castigo, ainda pretendo sim continuar lendo suas outras histórias, mesmo não tendo me encantado por O Eterno Marido


-> DLL 20: Um livro de autor russo


Leitora apaixonada por romances de época, clássicos e thrillers. Mãe da minha eterna princesa Luana e dos meus príncipes Celestino, Felipe e Damon (gatinhos filhos do coração). Filha carinhosa. Irmã dedicada. Amiga para todas as horas. Acredita em Deus. E no poder do amor.

3 comentários:

  1. Olá, tudo bem? Eu estou lendo Crime e Castigo nesse momento e me vejo totalmente encantada pelo poder dessa narrativa, é uma pena que Eterno Marido não tenha sido tão bom assim, mas leitura é isso, né? Cheia de altos e baixos.

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  2. Oi, Luna! Muito chato quando gostamos de um livro de um autor e o outro já não é tão interessante. Mas que bom que isso não te desanimou para leituras futuras! Espero que a próxima seja muito melhor!
    Bjos
    Lucy - Por essas páginas

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  3. A meu ver uma pessoa não pode concluir que um livro não é bom apenas porque ela não gostou. É preciso que exista essa consciência por parte do leitor. O valor de um escritor vai muito mais além do gosto pessoal de cada um. Quando todos gostam de um livro, chama-se best-seller e às vezes não tem o mesmo valor literário de outro menos lido. Se uma pessoa detestar Dom Quixote, de Cervantes, a obra fica incólume pois seu valor já é consagrado. Se alguém não conseguir lê-lo é sempre uma questão de não se estar preparado para ler ou de não gostar porque é muito longo ou nosso gosto é questionável.

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