Editora: Penguin & Companhia das Letras
Edição de: 2019
Páginas: 304
33ª leitura de 2020
Sinopse: Ícone do modernismo brasileiro, Júlia Lopes de Almeida consegue oferecer um notável panorama das repercussões do boom do café no final do século XIX na formação da nascente burguesia urbana, e também retratar, com impecável maestria, os meandros de uma sociedade machista e hipócrita, em que subsistem as relações escravocratas e aprofundam-se as desigualdades sociais. Rio de Janeiro, 1891. Francisco Teodoro, um bem-sucedido e ambicioso comerciante de café, conhece Camila. Em busca de um casamento que traga estabilidade, ele não vê melhor opção que desposar tal jovem, bela e de boa e humilde família. Os filhos Mário, Rachel, Lia e Ruth crescem a olhos vistos, enquanto a empresa do pai continua a prosperar.Nem só de flores, contudo, vivem os Teodoro. Francisco, cada vez mais ganancioso, vê outros comerciantes se arriscando no trato com o café e decide fazer o mesmo. Afinal, é preciso aumentar o patrimônio familiar que Mário insiste em dilapidar. Camila, alheia aos movimentos econômicos e cada vez mais absorta em sua relação com o médico Gervásio, nada opina. Em um revés do destino, a fortuna da família acaba. Francisco Teodoro se suicida e todos, mãe e filhos, precisam aprender a lidar com a nova situação social.
A Falência é um livro sobre o qual ouvi falar pela primeira vez poucos anos atrás, quando começaram a surgir mais resenhas sobre a história por conta da cobrança do livro num determinado vestibular. É uma história que tinha "caído no esquecimento", apesar da autora ser considerada muito importante para a literatura brasileira.
Júlia Lopes de Almeida foi uma das idealizadoras da Academia Brasileira de Letras e seu nome deveria constar entre os fundadores. Todavia, um pequeno (grande) detalhe a deixou de fora: o machismo da época. Pelo simples fato de ser mulher, seu nome foi excluído, pois os membros (todos homens) decidiram manter a Academia exclusivamente masculina. E no lugar de Júlia colocaram o marido dela. Revoltante, não é mesmo?!
Por conta de toda essa injustiça, que se tornou de conhecimento de boa parte dos leitores somente poucos anos atrás, é que desejei conhecer suas obras e quando a Jaqueline do canal Estante Alada propôs a leitura coletiva de A Falência, eu nem precisei pensar duas vezes. O livro simplesmente passou a frente de vários outros.rs
Talvez por isso eu tenha ficado um tanto decepcionada com a história. Gostei da leitura como um todo, mas senti falta de um "algo mais". Esperei muito do livro e como ele não conseguiu satisfazer todas as minhas expectativas, eu acabei me sentindo um pouco frustrada.
A Falência nos traz a história da família Teodoro... sua ambição, ostentação, segredos e... decadência. Francisco Teodoro é o patriarca, homem ambicioso que começou do nada, com muitos sacrifícios e privações, que conhecia a pobreza e lutou para sair dela. Comerciante experiente, sentia um certo desprezo por aqueles que tinham fortuna fácil, julgando que não a mereciam como ele, visto que não tiveram que vencer nenhum obstáculo para chegar onde ele chegou. Homem de sua época, era machista e sentia saudades dos anos em que a escravidão era permitida, pois considerava que o trabalho era melhor feito pelos escravos.
Ele era casado com Camila, mulher vaidosa e sedutora, que também conhecera as privações e se casara por interesse. Ao mergulhar no luxo que a boa sorte do marido possibilitou mal era capaz de recordar a pobreza de sua vida anterior. Passava os seus dias idolatrando a própria beleza, ostentando sua fortuna e traindo o marido com o doutor Gervásio, homem bastante próximo da família, que frequentava quase diariamente a sua casa e comia na mesma mesa que seu marido. Ela se defendia de qualquer culpa alegando que também já fora traída pelo marido, que acreditava que ela não sabia de suas "escapadas" e que se ele por ser homem podia ser infiel, o mesmo direito ela deveria ter, ainda mais porque se o traía era por ter se apaixonado por outro.
Da união entre Francisco e Camila nasceram cinco filhos, tendo um deles falecido ainda pequeno. Mário, o mais velho, não queria saber de responsabilidades e não tinha a menor intenção de assumir os negócios de seu pai. Tudo o que queria era curtir a vida, se envolvendo com mulheres escandalosas com as quais gastava boa parte da fortuna do pai. Preguiçoso e mimado, se achava no direito de gastar o quanto quisesse, mesmo que em nada contribuísse para o próprio sustento.
Ruth estava apenas no início da adolescência. Apaixonada por música e pela natureza, vivia cada dia como se não fizesse parte do mundo, perdida em sonhos. Protegida da realidade da vida, não sabia o que tantas outras famílias sofriam, como existiam pessoas que passavam fome ou eram maltratadas diariamente apenas por causa da cor da pele. Ela é a personagem mais iluminada da história, a única que nos desperta enorme carinho.
Lia e Rachel eram as gêmeas de apenas seis anos e possivelmente as personagens que mais afetadas seriam pela falência anunciada desde o título do livro e evidente em sua sinopse.
Este é um livro que me incomodou em alguns momentos. Não senti carinho por quase nenhum personagem. Na verdade, sentia desprezo tanto pelo Francisco quanto pela Camila. Embora eu admire a garra dele, o modo como começou do zero e lutou para que seus filhos não passassem pelas mesmas privações... embora reconheça que ele amava todos os seus filhos e tentava fazer o melhor por eles, não pude gostar desse personagem. Ele era, de modo geral, bondoso com todos os seus funcionários, até mesmo mandando um médico atendê-los em suas casas se eles ficavam doentes, que pagava os salários em dia e honrava com seus compromissos. Mas eu, a Luna do século XXI, que fica revoltada com certos comportamentos, não consegui tolerar suas falas machistas e sua "saudade" da escravidão. Sei que ele não maltratava nenhum ser humano (pelo menos não houve nenhuma menção a isso no livro), a mulher que ele mais respeitava era uma senhora negra, que desempenhava o papel de governanta de sua casa, mas ainda assim ele parecia ver a escravidão como algo positivo, pensando apenas em como as coisas eram mais "bonitas" (para os seus negócios) durante o período escravocrata.
Isso não me impediu, claro, de sentir compaixão por ele quando a sua ruína chegou. Eu podia não gostar do personagem como um todo, podia desprezar seus pensamentos machistas e racistas, mas como sou um ser humano, seria impossível me alegrar com a queda dele. Foram cenas bem tristes na história. E eu lamentei sim pela forma como tudo se passou.
Camila é uma personagem que me provocou repulsa. Se sentia nascida para o luxo, para ser sempre servida e adorada. Gostava de ser sedutora, de ver os olhares dos homens e o desejo deles por ela, mas tentava convencer a si mesma que só traía o marido com o doutor Gervásio porque tinha se apaixonado por ele. E que a sociedade da época era hipócrita por condenar as paixões de uma mulher, mas perdoar os casos dos homens. Ah, por favor! Que a sociedade era hipócrita isso é uma verdade, mas ela não era nenhuma injustiçada. Era uma egoísta, que amava apenas a si mesma. Em nenhum momento acreditei nos seus sentimentos. Eram simplesmente falsos.
Do Mário nem vale a pena falar... Inútil na história, do começo ao fim.
Mas uma personagem que sim me provocou um quentinho no coração em todos os momentos que a autora deu protagonismo para ela (o que, infelizmente, aconteceu bem pouco) foi a Ruth. Ela dava um tom poético para algumas cenas, com seu violino, seu ar sonhador e sua bondade. Foi quem se lembrou do aniversário da Nina e, mesmo que com gentileza, jogou na cara do pai o fato da família inteira menosprezar a garota (sobrinha de sua mãe), de não dar a ela o valor que a moça merecia, de não ajudá-la a ter um bom futuro. E foi Ruth quem protagonizou uma das melhores cenas do livro... ao defender a Sancha, uma mocinha negra, de sua idade, empregada na casa das tias de sua mãe e que era tratada como escrava, sendo torturada diariamente pela D. Itelvina.
Ruth me impressionou demais naquele momento. Tendo sido criada longe das realidades do mundo e numa sociedade que era racista, onde a desigualdade social era gritante, eu nunca imaginei que ela pudesse ter toda aquela garra para defender a menina, para fazer o que ninguém nunca tinha feito.
Com os olhos da alma, do coração, ela viu em Sancha alguém que não merecia ser tratada diferente dela apenas por causa da cor de sua pele, viu nela uma mocinha que tinha a mesma idade, mas enquanto a Ruth era privilegiada e sempre protegida, Sancha só conhecia as dores da vida, a maldade dos outros. Ruth chega a questionar, numa cena que me fez prender a respiração, por que Deus não amparava a todos.
Ruth não estava habituada a ver o mundo real. Estava sempre perdida no mundo da música, das histórias românticas e dos sonhos, mas ao se ver diante de uma injustiça tão grande, sem ter sido ensinada a ver todos os seres humanos como iguais, ela soube sentir, ter empatia. E defender. Não é uma defesa só de palavras, gente! É simplesmente a melhor cena de todo o livro. Essa menina sim merecia ser a protagonista da história.
E a atitude da Ruth me leva a outra personagem: a Noca, senhora negra, que diferentemente da Ruth, conhecia bem o mundo real. Noca que criou todos os filhos da Camila e que passava a mão na cabeça de todo mundo naquela casa, não importava quais erros eles cometessem. Eu gostava muito dela no início da história, do papel importante que ela desempenhava no livro, com sua sabedoria e sua influência tanto sobre o Francisco quanto sobre a Camila. Mas aí veio uma cena na qual ela foi visitar as tias da Camila e foi recebida pela Sancha, que a olhou de modo acusador. No momento, eu não entendi o que se passava. Só depois da cena em que Ruth defendeu a Sancha é que a ficha caiu e eu percebi que a Noca poderia ter feito pela moça maltratada muito mais do que Ruth poderia com sua pouca idade. Noca, se quisesse, poderia ter feito algo. E não fez. Em nenhum momento. Simplesmente virava o rosto para os tormentos da Sancha. Fingia não ver que uma menina inocente era torturada sem que ninguém a defendesse. Enquanto ela passava a mão na cabeça da família inteira da Camila e justificava os mais absurdos comportamentos, não movia um dedo pela Sancha. E isso eu não pude perdoar.
Uma coisa que fez a história se tornar apenas "boa" foi a falta de profundidade dos personagens. A autora teve mais de 300 páginas para criar uma história que fosse mais profunda, que tratasse de maneira consistente cada um dos personagens que ela colocou como importantes na história. Mas ela se prendeu tanto a momentos que não foram de grande significado para o livro que acabou apenas passando rapidamente por cada personagem, deixando todos rasos. Embora a Ruth protagonize cenas tão importantes como as que mencionei, essas cenas são curtas, a menina passa o livro quase todo apagada pela autora, que estava mais preocupada em falar de Camila e do inútil do Mário. Ela perde muitas páginas em cenas sem importância e perde a chance de aprofundar seus próprios personagens. Nina é uma que merecia ser melhor trabalhada no livro, mas que a autora apenas "passa" brevemente por sua história.
Uma personagem que também ficou "esquecida" no livro e que prometia muito foi a Catarina, irmã de um homem que estava apaixonado pela Camila. Catarina era uma mulher a frente do seu tempo, que apoiava a emancipação da mulher e admirava aquelas que lutavam por igualdade de direitos. A autora teve ali a oportunidade de criar cenas maravilhosas em torno dessa personagem, mas a abandonou na história, algo que não consegui entender. Enfim...
Em resumo: a história é boa, mas eu esperava bem mais. Fiquei frustrada sim. Mas não me arrependo de ler. Gostei da escrita da autora, ela mostrou muito potencial e por isso darei chances a outros livros dela, na esperança de gostar bem mais de outras de suas histórias.
Júlia Lopes de Almeida foi uma das idealizadoras da Academia Brasileira de Letras e seu nome deveria constar entre os fundadores. Todavia, um pequeno (grande) detalhe a deixou de fora: o machismo da época. Pelo simples fato de ser mulher, seu nome foi excluído, pois os membros (todos homens) decidiram manter a Academia exclusivamente masculina. E no lugar de Júlia colocaram o marido dela. Revoltante, não é mesmo?!
Por conta de toda essa injustiça, que se tornou de conhecimento de boa parte dos leitores somente poucos anos atrás, é que desejei conhecer suas obras e quando a Jaqueline do canal Estante Alada propôs a leitura coletiva de A Falência, eu nem precisei pensar duas vezes. O livro simplesmente passou a frente de vários outros.rs
Talvez por isso eu tenha ficado um tanto decepcionada com a história. Gostei da leitura como um todo, mas senti falta de um "algo mais". Esperei muito do livro e como ele não conseguiu satisfazer todas as minhas expectativas, eu acabei me sentindo um pouco frustrada.
A Falência nos traz a história da família Teodoro... sua ambição, ostentação, segredos e... decadência. Francisco Teodoro é o patriarca, homem ambicioso que começou do nada, com muitos sacrifícios e privações, que conhecia a pobreza e lutou para sair dela. Comerciante experiente, sentia um certo desprezo por aqueles que tinham fortuna fácil, julgando que não a mereciam como ele, visto que não tiveram que vencer nenhum obstáculo para chegar onde ele chegou. Homem de sua época, era machista e sentia saudades dos anos em que a escravidão era permitida, pois considerava que o trabalho era melhor feito pelos escravos.
"Passou-lhe pela lembrança o tempo dos escravos, quando esse trabalho era exclusivamente feito pelos negros de nação, com a sua cantilena triste, de africanos."
Ele era casado com Camila, mulher vaidosa e sedutora, que também conhecera as privações e se casara por interesse. Ao mergulhar no luxo que a boa sorte do marido possibilitou mal era capaz de recordar a pobreza de sua vida anterior. Passava os seus dias idolatrando a própria beleza, ostentando sua fortuna e traindo o marido com o doutor Gervásio, homem bastante próximo da família, que frequentava quase diariamente a sua casa e comia na mesma mesa que seu marido. Ela se defendia de qualquer culpa alegando que também já fora traída pelo marido, que acreditava que ela não sabia de suas "escapadas" e que se ele por ser homem podia ser infiel, o mesmo direito ela deveria ter, ainda mais porque se o traía era por ter se apaixonado por outro.
Da união entre Francisco e Camila nasceram cinco filhos, tendo um deles falecido ainda pequeno. Mário, o mais velho, não queria saber de responsabilidades e não tinha a menor intenção de assumir os negócios de seu pai. Tudo o que queria era curtir a vida, se envolvendo com mulheres escandalosas com as quais gastava boa parte da fortuna do pai. Preguiçoso e mimado, se achava no direito de gastar o quanto quisesse, mesmo que em nada contribuísse para o próprio sustento.
Ruth estava apenas no início da adolescência. Apaixonada por música e pela natureza, vivia cada dia como se não fizesse parte do mundo, perdida em sonhos. Protegida da realidade da vida, não sabia o que tantas outras famílias sofriam, como existiam pessoas que passavam fome ou eram maltratadas diariamente apenas por causa da cor da pele. Ela é a personagem mais iluminada da história, a única que nos desperta enorme carinho.
"Até ali que sabia das misérias do mundo? Nada."
Lia e Rachel eram as gêmeas de apenas seis anos e possivelmente as personagens que mais afetadas seriam pela falência anunciada desde o título do livro e evidente em sua sinopse.
Este é um livro que me incomodou em alguns momentos. Não senti carinho por quase nenhum personagem. Na verdade, sentia desprezo tanto pelo Francisco quanto pela Camila. Embora eu admire a garra dele, o modo como começou do zero e lutou para que seus filhos não passassem pelas mesmas privações... embora reconheça que ele amava todos os seus filhos e tentava fazer o melhor por eles, não pude gostar desse personagem. Ele era, de modo geral, bondoso com todos os seus funcionários, até mesmo mandando um médico atendê-los em suas casas se eles ficavam doentes, que pagava os salários em dia e honrava com seus compromissos. Mas eu, a Luna do século XXI, que fica revoltada com certos comportamentos, não consegui tolerar suas falas machistas e sua "saudade" da escravidão. Sei que ele não maltratava nenhum ser humano (pelo menos não houve nenhuma menção a isso no livro), a mulher que ele mais respeitava era uma senhora negra, que desempenhava o papel de governanta de sua casa, mas ainda assim ele parecia ver a escravidão como algo positivo, pensando apenas em como as coisas eram mais "bonitas" (para os seus negócios) durante o período escravocrata.
Isso não me impediu, claro, de sentir compaixão por ele quando a sua ruína chegou. Eu podia não gostar do personagem como um todo, podia desprezar seus pensamentos machistas e racistas, mas como sou um ser humano, seria impossível me alegrar com a queda dele. Foram cenas bem tristes na história. E eu lamentei sim pela forma como tudo se passou.
Camila é uma personagem que me provocou repulsa. Se sentia nascida para o luxo, para ser sempre servida e adorada. Gostava de ser sedutora, de ver os olhares dos homens e o desejo deles por ela, mas tentava convencer a si mesma que só traía o marido com o doutor Gervásio porque tinha se apaixonado por ele. E que a sociedade da época era hipócrita por condenar as paixões de uma mulher, mas perdoar os casos dos homens. Ah, por favor! Que a sociedade era hipócrita isso é uma verdade, mas ela não era nenhuma injustiçada. Era uma egoísta, que amava apenas a si mesma. Em nenhum momento acreditei nos seus sentimentos. Eram simplesmente falsos.
Do Mário nem vale a pena falar... Inútil na história, do começo ao fim.
Mas uma personagem que sim me provocou um quentinho no coração em todos os momentos que a autora deu protagonismo para ela (o que, infelizmente, aconteceu bem pouco) foi a Ruth. Ela dava um tom poético para algumas cenas, com seu violino, seu ar sonhador e sua bondade. Foi quem se lembrou do aniversário da Nina e, mesmo que com gentileza, jogou na cara do pai o fato da família inteira menosprezar a garota (sobrinha de sua mãe), de não dar a ela o valor que a moça merecia, de não ajudá-la a ter um bom futuro. E foi Ruth quem protagonizou uma das melhores cenas do livro... ao defender a Sancha, uma mocinha negra, de sua idade, empregada na casa das tias de sua mãe e que era tratada como escrava, sendo torturada diariamente pela D. Itelvina.
" - Negra ou branca, é criatura."
Ruth me impressionou demais naquele momento. Tendo sido criada longe das realidades do mundo e numa sociedade que era racista, onde a desigualdade social era gritante, eu nunca imaginei que ela pudesse ter toda aquela garra para defender a menina, para fazer o que ninguém nunca tinha feito.
" - Sim, o coração dela deve ser da mesma cor que o meu - cismava Ruth, confusa, com os olhos no altar."
Com os olhos da alma, do coração, ela viu em Sancha alguém que não merecia ser tratada diferente dela apenas por causa da cor de sua pele, viu nela uma mocinha que tinha a mesma idade, mas enquanto a Ruth era privilegiada e sempre protegida, Sancha só conhecia as dores da vida, a maldade dos outros. Ruth chega a questionar, numa cena que me fez prender a respiração, por que Deus não amparava a todos.
" - Mas se Deus está em toda parte, por que abandona certas pessoas?"
Ruth não estava habituada a ver o mundo real. Estava sempre perdida no mundo da música, das histórias românticas e dos sonhos, mas ao se ver diante de uma injustiça tão grande, sem ter sido ensinada a ver todos os seres humanos como iguais, ela soube sentir, ter empatia. E defender. Não é uma defesa só de palavras, gente! É simplesmente a melhor cena de todo o livro. Essa menina sim merecia ser a protagonista da história.
E a atitude da Ruth me leva a outra personagem: a Noca, senhora negra, que diferentemente da Ruth, conhecia bem o mundo real. Noca que criou todos os filhos da Camila e que passava a mão na cabeça de todo mundo naquela casa, não importava quais erros eles cometessem. Eu gostava muito dela no início da história, do papel importante que ela desempenhava no livro, com sua sabedoria e sua influência tanto sobre o Francisco quanto sobre a Camila. Mas aí veio uma cena na qual ela foi visitar as tias da Camila e foi recebida pela Sancha, que a olhou de modo acusador. No momento, eu não entendi o que se passava. Só depois da cena em que Ruth defendeu a Sancha é que a ficha caiu e eu percebi que a Noca poderia ter feito pela moça maltratada muito mais do que Ruth poderia com sua pouca idade. Noca, se quisesse, poderia ter feito algo. E não fez. Em nenhum momento. Simplesmente virava o rosto para os tormentos da Sancha. Fingia não ver que uma menina inocente era torturada sem que ninguém a defendesse. Enquanto ela passava a mão na cabeça da família inteira da Camila e justificava os mais absurdos comportamentos, não movia um dedo pela Sancha. E isso eu não pude perdoar.
Uma coisa que fez a história se tornar apenas "boa" foi a falta de profundidade dos personagens. A autora teve mais de 300 páginas para criar uma história que fosse mais profunda, que tratasse de maneira consistente cada um dos personagens que ela colocou como importantes na história. Mas ela se prendeu tanto a momentos que não foram de grande significado para o livro que acabou apenas passando rapidamente por cada personagem, deixando todos rasos. Embora a Ruth protagonize cenas tão importantes como as que mencionei, essas cenas são curtas, a menina passa o livro quase todo apagada pela autora, que estava mais preocupada em falar de Camila e do inútil do Mário. Ela perde muitas páginas em cenas sem importância e perde a chance de aprofundar seus próprios personagens. Nina é uma que merecia ser melhor trabalhada no livro, mas que a autora apenas "passa" brevemente por sua história.
Uma personagem que também ficou "esquecida" no livro e que prometia muito foi a Catarina, irmã de um homem que estava apaixonado pela Camila. Catarina era uma mulher a frente do seu tempo, que apoiava a emancipação da mulher e admirava aquelas que lutavam por igualdade de direitos. A autora teve ali a oportunidade de criar cenas maravilhosas em torno dessa personagem, mas a abandonou na história, algo que não consegui entender. Enfim...
Em resumo: a história é boa, mas eu esperava bem mais. Fiquei frustrada sim. Mas não me arrependo de ler. Gostei da escrita da autora, ela mostrou muito potencial e por isso darei chances a outros livros dela, na esperança de gostar bem mais de outras de suas histórias.
Oi Luna.
ResponderExcluirNão conhecia o livro, e nem mesmo sabia da história sobre a autora. Mais uma das grandes injustiças do machismo em nossa história. Uma pena que o livro não tenha alcançado suas expectativas.
Bjus
Olá, tudo bem? Nunca tinha ouvido falar nesse livro, e pela sinopse ele parece ser bem interessante, então é uma pena que não seja "tudo isso", rs. Adorei a resenha!
ResponderExcluirBeijos,
Duas Livreiras
A história da autora é maravilhosa, assim como o machismo da época a fez ficar de fora, pintaram Machado de Assis de branco pra vender mais.
ResponderExcluirEnfim.. Preconceito é algo tosco..
Nunca li A Falência, mas não sei se iria me aventurar. Tenho certa agonia se pego ranço de algum personagem, e acho que o livro apensar da boa história faltou conexão a eles.
É muito doido como a gente pouco conhece sobre autoras clássicas brasileiras, né? Tipo a Maria Firmino, eu conheci a Júlia por acaso, quando uma de suas histórias foi adaptada para HQ, mas é interessante como sua narrativa é sempre tão visceral.
ResponderExcluirOi Luna!
ResponderExcluirLivros escritos em épocas diferentes principalmente quando contam sobre histórias que não fogem de uma realidade que passou, fico associando os fatos do passado com o de agora, fico muitas vezes frustrada também porque os conceitos colocados são bem reais que me envergonham, enfim adorei sua resenha e a cada frase que lia ficava pensando nessa família e nos podres que existem no ser humano. Amei sua resenha, anotei sua dica, obrigado, bjs!
Eu também sinto falta quando o autor não dá a profundidade certa aos personagens e sentimos que não conseguimos nos conectar ou ter empatia por nenhum ou por poucos. Ainda não conhecia o livro e amei sua sinceridade.
ResponderExcluirBeijos