Título Original: The little princess
Tradutora: Carla Bitelli
Editora: Ciranda Cultural
Edição de: 2019
Páginas: 208
3ª leitura de 2020
Sinopse: Sara Crewe é uma menina rica trazida da Índia por seu pai para estudar em uma escola de moças em Londres. Quando seu pai morreu, perdeu tudo e foi obrigada a trabalhar como empregada na escola, e apesar de passar frio e fome, conseguiu preservar sua nobreza e generosidade. Dona da grande imaginação, ela foi capaz de criar histórias fantásticas e conquistar suas amigas que não a abandonaram. No entanto, as coisas mudam quando um indiano doente chega à cidade procurando uma menina perdida.
Talvez você, assim como eu, já conheça a história por conta do filme de 1995, que muitas e muitas vezes assisti e marcou a minha infância, assim como a de milhares de outras crianças. Lembro do quanto eu me revoltava com as injustiças que Sara era obrigada a suportar, sendo ainda uma menina, e como o final me encantava, mesmo já sabendo tudo o que aconteceria. Era sempre como se fosse a primeira vez e se tornou um dos meus filmes queridinhos.
"[...] ela mesma não conseguia se lembrar de qualquer momento que não estivesse pensando sobre adultos e o mundo ao qual eles pertenciam. Ela sentia como se já tivesse vivido por muito, muito tempo."
Somente já adulta é que eu descobri que aquele filme que eu tanto amava era uma adaptação do livro "A Princesinha", da autora Frances Hodgson Burnett, de quem eu nunca tinha ouvido falar. E durante bastante tempo desejei ter a oportunidade de ler o livro, mas sempre priorizava outras leituras, que faziam parte das minhas metas literárias. Todavia, ano passado eu recebi este livro de presente e ao decidir incentivar minha priminha de 10 anos a mergulhar no universo das histórias é que finalmente pude lê-lo e perceber que o livro é muitíssimo mais especial que o filme, se tornando um dos livros que mais me impactou, com uma mensagem que jamais esperei encontrar nele.
"Ela gostava de livros mais do que de qualquer outra coisa e, na verdade, estava sempre inventando histórias sobre coisas lindas e contando-as para si mesma."
Sara Crewe nascera e passara todos os seus sete primeiros anos de vida na Índia, sendo mimada por todos que a conheciam, o que de modo algum a estragou, pois era uma menina bastante madura para sua idade e que jamais permitiu que os privilégios que recebera mudassem a sua essência. Tendo crescido sem mãe, que falecera quando do seu nascimento, era muito apegada ao pai, a quem amava acima de tudo. Com ele tinha uma belíssima relação e ele a chamava carinhosamente de "Senhorinha", por conta da maneira antiquada, solene, com que a filha sempre se expressava, como se fosse uma pequena adulta de séculos passados. Ele também a amava mais que tudo e por isso mesmo decidira que chegara a hora de enviá-la para longe, por mais que aquilo partisse seu coração, pois sua filhinha precisava iniciar seus estudos e retornar para casa apenas quando já fosse uma jovem adulta. Era o que se esperava dele como pai, embora a sua vontade fosse manter Sara ao seu lado para sempre, protegida de um mundo vasto e tão cheio de riscos.
"- Está tentando me gravar na sua memória, Sarinha? - perguntou ele, acariciando o cabelo da filha.
- Não - respondeu ela. - Eu já tenho você gravado. Você está gravado no meu coração."
Dona de uma imaginação e maturidade surpreendentes, Sara apela para todo o seu autocontrole e capacidade de sonhar para superar a separação do pai, de quem já sentia muita falta. Nunca antes estivera na Inglaterra, todo aquele mundo lhe era desconhecido e o local, assim como a diretora da instituição, transmitia uma frieza com a qual ela não estava acostumada. Não queria estar ali, mas, assim como um soldado, sabia que precisava ser corajosa para enfrentar aquela guerra.
Tendo como principal companhia seus amados livros e Emily, uma boneca lindíssima que escolhera com o pai para ser sua grande amiga, e que ela fingia ter "vida" e poder se comunicar com ela, Sara passa os quatro primeiros anos de maneira relativamente tranquila no internato, lidando de maneira sábia com as bajulações da diretora (que a considerava sua "aluna modelo" apenas porque a menina era dona de uma grande fortuna) e a inveja de meninas mais velhas, que a desprezavam não só por conta de todas as coisas materiais que ela possuía, mas também por sua inteligência e personalidade. Foram anos nos quais ela chegara a fazer grandes amizades e encantara muitas meninas com suas histórias mágicas e envolventes, que tornavam cada dia naquele lugar um pouco melhor. Todavia, todo o seu mundo sofreu uma grande e terrível transformação no dia do seu aniversário de 11 anos.
"- Eu prometi para ele que iria aguentar. E vou. É preciso aguentar as coisas."
Aquele era para ser um dia muito especial, todo o colégio tinha sido preparado para a festa. Sara recebera os mais lindos presentes... mas, quando ainda estava sorrindo e comemorando com as outras alunas, a chegada inesperada do procurador de seu pai foi o início de anos muito tristes para a menina que, até então, não conhecia as privações e crueldades do mundo.
Com a notícia da morte do pai de Sara e a perda de toda sua fortuna, a senhorita Minchin, diretora da escola e que, desde o primeiro dia, desprezara a criança profundamente, não teve mais motivos para fingir um carinho que nunca sentiu. Como a menina não tinha ninguém no mundo, nenhum parente que pudesse se responsabilizar por ela, ficou nas mãos dessa mulher, que lhe tirou tudo o que ela ainda possuía e a transformou numa empregada infantil do colégio no qual ela deveria ser uma aluna.
Tendo perdido até mesmo o quarto no qual dormia e suas belas roupas, bem como todos os presentes que ganhara no aniversário de onze anos, Sara passa a dormir no sótão com sua boneca Emily, que era tudo o que lhe restara do pai e de quem não aceitou abrir mão. O sótão era um local úmido, triste, sombrio e cheio de ratos, mas Sara se obrigava a suportar tudo como um soldado, fugindo para o mundo da imaginação quando as coisas ficavam difíceis demais, e enfrentando cada dia de cabeça erguida e com uma força interior que nem eu acredito que teria.
"- Eu não sei como poderei um dia descobrir se sou uma menina boa ou horrível. Talvez eu seja uma menina horrível, e ninguém nunca vai saber só porque nunca passei por provações."
Sempre considerei O Pequeno Príncipe um livro excepcional, sendo uma das melhores leituras que uma pessoa pode fazer tanto na infância quanto na vida adulta. E continuo considerando-o um livro maravilhoso, digno de ser considerado um clássico da literatura mundial. Mas me entristece muito que A Princesinha, que consegue superá-lo muitíssimo ao tratar de temas tão relevantes num livro infantojuvenil, não seja tão conhecido quanto ele. Vejo inúmeras edições, uma mais linda que a outra, do livro O Pequeno Príncipe, mas A Princesinha não teve uma atenção tão especial no Brasil e quase não vejo ninguém falando sobre ele, o que provoca uma dorzinha no meu coração, pois é um livro que todos os pais deveriam dar aos seus filhos, que todas as pessoas deveriam ler em algum momento de suas vidas.
"A mudança em sua vida não ocorreu gradualmente, mas sim toda de uma só vez."
Após ler este livro, o filme perdeu muitos pontos comigo, infelizmente. :( Sobretudo pelas mudanças da aparência física da nossa princesinha. Geralmente eu não me atento para a aparência dos personagens de um livro, raramente lembro como eles são descritos fisicamente pelos autores, pois isso não é o mais importante numa história para mim. Todavia, desde a capa do livro, que mostra uma menininha de pele escura, cabelos pretos e curtos, e olhos verdes, eu já fiquei pensando no quanto a menina do filme era diferente. Aí, quando vi que a menina da capa era de fato a Sara do livro, que é uma criança de pele morena, cabelos pretos e curtos e olhos verdes, o que causava a estranheza e admiração das outras pessoas, que a viam como uma princesa estrangeira, por conta do seu ar solene e suas roupas elegantes, eu fiquei me perguntando qual terá sido o motivo para a transformarem numa menina branca e loira no filme. Eu não teria visto nenhum problema se essa fosse a descrição da Sara no livro, mas terem mudado por completo a sua aparência me entristeceu muito. Nunca mais conseguirei ver o filme da mesma forma, não mesmo. Sinto como se a protagonista do livro tivesse sido menosprezada por sua aparência e isso tirou o brilho que o filme tinha para mim.
"- Sim - concordou Sara. - A adversidade põe as pessoas em prova."
Não dá para colocar em palavras o quanto este livro é especial e como ele mexeu comigo. Eu comecei a lê-lo com a minha priminha, pois estou trabalhando interpretação de texto com ela e tentando fazê-la amar os livros. Ano passado ela leu Harry Potter e a Pedra Filosofal e absorveu muito da história; com A Princesinha não está sendo diferente. Como a leitura é algo muito novo para ela, ainda não concluiu este livro, pois lê dois capítulos por dia aqui em casa, em voz alta e depois eu faço perguntas. Mas mesmo ela estando na metade do livro ainda, já conseguiu aprender muito com a história e se atentar para o tema do trabalho infantil, antes mesmo de eu falar sobre isso com ela. Lendo a história, mesmo com pouca idade, ela percebeu que Sara e Becky não deveriam trabalhar e que elas estavam naquelas condições porque ninguém as defendia. Que a diretora do colégio estava agindo de modo muito errado ao explorar duas crianças.
Quando Sara perde tudo e fica nas mãos da senhorita Minchin, sem ninguém que a protegesse das maldades de uma mulher capaz de sentir inveja de uma criança, ela passa a ser uma empregada, quase uma escrava naquela instituição. Não só a diretora, mas outros funcionários do lugar, passam a explorar a menina, sobrecarregando-a com trabalhos cada vez mais pesados e completamente inadequados para uma criança. Sara passa por muitas privações, chegando mesmo a passar fome e frio, perdendo peso rapidamente e a aparência saudável que antes possuía. São anos muito dolorosos para ela e para nós leitores, que temos que ver tais cenas sem poder fazer nada, quando a vontade que sentimos é de dar uma surra em monstros capazes de fazer isso com crianças.
"- É porque a história te faz pensar em outra coisa - explicou Sara, enrolando a colcha no corpo até que somente seu rostinho escuro ficou aparente. - Já percebi isso. Quando o corpo está em um estado tão miserável, é preciso fazer com que a mente pense em outra coisa".
E não é só Sara que passa por todo esse sofrimento. Antes mesmo de perder tudo, Sara conhece Becky, uma "empregada" do colégio, menina profundamente humilde, no início da adolescência, mas que parece ter menos idade por conta de todas as provações que teve que suportar. Becky não sabe ler direito, escrever ou falar corretamente, pois não pôde estudar. Ela está sempre com muita fome, sono e assustada, temendo que alguém lhe faça mal (vez que batem nela quando sentem vontade). Embora sua vida seja muito triste, ao conhecer Sara ela não a inveja, mas sim admira, pois a menina parecia ser boa, diferente das pessoas que Becky conhecia e das outras alunas que fingiam que ela não passava pelos ambientes, carregando peso e limpando os locais nos quais elas estudavam, dormiam e se alimentavam confortavelmente.
A amizade entre elas começa quando Sara retorna para seu quarto após uma aula e encontra Becky dormindo em sua poltrona favorita. Logo percebe como a menina estava cansada e resolve deixá-la descansar. Quando Becky acorda, morrendo de medo por ter sido pega dormindo (a menina passava quase as vinte e quatro horas do dia trabalhando!), descobre que Sara não tem a menor intenção de contar aquilo para ninguém e as duas se tornam muito amigas. Sara sempre fazia de tudo para alimentar Becky, para que a menina não passasse mais fome e faz a outra entender que entre elas não há diferenças, ou não deveria haver, já que são apenas duas meninas que deveriam ser tratadas de maneira igual. Assim, quando o período de grande tristeza toma conta da vida da nossa princesinha, Becky é seu maior apoio, a garota que sentia sua dor como se fosse a dela própria.
"- Ela era uma castelã orgulhosa e corajosa e ofertava generosamente a única hospitalidade que tinha para oferecer: os sonhos que ela sonhava, as visões que via, as imaginações que eram sua alegria e seu conforto. Assim, no período que passaram juntas, Ermengarde não soube que a amiga estava fraca e faminta e que, conforme falava, ela de vez em quando se perguntava se a fome a deixaria dormir depois, quando estivesse sozinha. Ela achava que nunca tinha sentido tanta fome na vida."
Através de uma história para crianças, cheia de fantasias e elementos típicos dos livros infantojuvenis, a autora não perdeu a chance de falar sobre o trabalho infantil, a exploração de crianças e as desigualdades sociais, mostrando abertamente as diferenças entre as crianças que possuíam privilégios e outras que estavam pelas ruas, passando muita fome e frio, sem que ninguém olhasse para elas duas vezes e se importasse, crianças que muitas vezes acabavam caindo nas mãos de pessoas cruéis e eram tratadas como escravas, para receberem como pagamento uma refeição fraca que sequer enganava o estômago e quando os "patrões" achavam que não tinham feito o trabalho de maneira satisfatória, ainda eram deixadas sem nenhuma comida, como castigo. É um livro que nos acorda para assuntos reais, como a proteção da infância, ao mesmo tempo que enche nosso coração de sentimentos bons, pois também é uma história que fala de amor, amizade, compaixão e esperança.
Embora a história tenha partido meu coração em vários momentos, pois é impossível aceitar o sofrimento de crianças, também me peguei sonhando com a Sara, cada vez mais encantada com essa menina cheia de vida, com uma força interior que eu não teria. Ela perdeu tudo de uma vez. Era cuidada, protegida e no mesmo dia que recebeu a notícia da morte do pai (no dia do seu aniversário, o que deixa tudo mais triste), foi roubada de tudo o que tinha, até mesmo seu quarto, onde poderia ter se refugiado para passar pelo luto. Ainda sofrendo a dor da perda, ela foi jogada numa realidade muito diferente, cheia de privações e crueldades, e mesmo assim não cedeu, não permitiu que apagassem o seu brilho e destruíssem seus sonhos. Ela sofria, mas os seus sonhos ninguém iria roubar, a sua imaginação, as suas histórias, tudo o que ela aprendeu com os livros, nada nem ninguém poderia tirar dela.
" - É exatamente como se alguma coisa encantada se tornasse real - disse ela. [...] A única coisa que sempre desejei foi ver um conto de fadas se tornar real."
Quem assistiu o filme e pensa que já sabe como o livro termina, um aviso: o final do livro é completamente diferente do filme. Mas nem por isso deixa de ser mágico e belo. É um final que provoca um quentinho em nosso coração e nos deixa com um sorriso no rosto.
É um livro que recomendo, MUITO, MUITO, MUITO mesmo! Para todos! Leiam! Simplesmente leiam este livro!
-> Desafio Literature-se 2020: um clássico pouco conhecido
Poxa vida, fico incomodada com aparência da menina. Se Sara do livro tem pele morena - vindo da Índia não se poderia esperar diferente e a menina do filme ser bem européia, me incomodou. Pois as características dela fazem a diferença.
ResponderExcluirNunca li o livro, confesso, nem sabia que existia. E um clássico antigo, uma história que muitos conhecem.
Olá, tudo bem? Não conhecia esse livro ainda, mas só de saber que é uma história que mexe com a gente já fiquei curiosa. Adorei a resenha e dica, já quero ler!
ResponderExcluirBeijos,
Duas Livreiras
Oi, Luna.
ResponderExcluirTudo bem?!
Eu me lembro de ter lido esse livro quando era criança, mas agora que você comentou, percebi que existem mesmo poucas edições, tanto dele, quanto de O Jardim Secreto, outro livro incrível dessa autora!!
Vou até conversar dar essa dica para uma amiga de uma editora que tem uma coleção de clássicos infanto-juvenis!
Essa história é tão linda e rica que merece ser mais divulgada mesmo!
beijos
Camis - blog Leitora Compulsiva
Olá...
ResponderExcluirDepois de todas essas recomendações é impossível não desejar a leitura agora mesmo! Fiquei animadíssima com seus comentários a respeito e como também amei demais o filme preciso urgentemente ler esse livro!
Dica anotada <3
Bjo
Eu não conhecia essa obra, mas só de saber que ela consegue superar "o pequeno príncipe"... uau! Fiquei curiosa para conhecer. Adorei sua resenha e suas palavras me conquistaram muito e espero que esse livro faça o mesmo. Já estou adicionando na minha listinha.
ResponderExcluirBeijos,
Blog PS Amo Leitura
Oi, Luna! Eu li O Jardim Secreto da mesma autora - e li em inglês, o que foi bem complicado, porque ela descrevia os sotaques da região em que a história se passava. Também vi as diferenças entre livro e filme e até adquiri A princesinha, mas ainda não li. Ele está na minha lista de clássicos que quero ler esse ano também. rsrs
ResponderExcluirBjos
Lucy - Por essas páginas
Olá, tudo bem?
ResponderExcluirA Ciranda Cultural está arrasando, pois ultimamente está publicando muitos e muitos clássicos, esse é mais um grande livro publicado na editora. Eu gostei da sua resenha, mas ainda não assisti ao filme ou li o livro. Dica anotada!
Abraço!
Gostei demais desse livro, confesso que a obra praticamente me convidou para a leitura. Espero poder fazer isso, pois a curiosidade está grande. Curti demais a capa também.
ResponderExcluirOlá Luna!!!
ResponderExcluirEu não minto que não conhecia o livro e nem o filme, por isso quando você falou que assistiu e que a gente devia conhecer fui procurar e não tenho uma memória do mesmo.
Eu percebi realmente uma diferença entre as protagonistas por conta da capa e realmente é triste ver que parece que os produtores desconsideraram esse fato.
Sua resenha está muito perfeita e que bom que você está inserido sua prima na leitura.
lereliterario.blogspot.com
Primeiro, gostaria de te parabenizar por essa resenha tão completa, de verdade, você escreve bem demais e super me envolveu também. E concordo contigo, O pequeno principe é um livro mundialmente conhecido e A princesinha eu nunca nem tinha ouvido falar e me parece ser uma história sensacional, obrigada por essa dica maravilhosa, já me apaixonei pela narrativa só pelo jeitinho que voce contou.
ResponderExcluir