Título Original: Malone meurt
Tradutora: Ana Helena Souza
Editora: Folha de São Paulo
Edição de: 2016
Páginas: 128
Coleção Folha Grandes Nomes da Literatura #16
Sinopse: Um dos maiores escritores da segunda metade do século XX, o irlandês Samuel Beckett (1906-1989) recebeu o Nobel de Literatura em 1969 e ficou para sempre lembrado pela peça Esperando Godot. No entanto, o ponto alto de sua obra está em narrativas como Malone morre (1951), segundo livro da trilogia composta ainda por Murphy e O inominável. Trata-se quase de literatura abstrata: sem enredo, trama, personagens. No livro, um homem muito velho está preso, nu e inválido, a uma cama do que parece ser um hospital. Toma uma sopa diária e escreve a lápis, num caderno, uma espécie de diário em que mistura pensamentos e histórias sem sentido de pessoas que talvez possam ter sido ele mesmo, não se sabe. Como é comum em Beckett, observa-se e reflete-se sobre o quase nada da vida, tratada com humor sinistro, como se fosse um acúmulo de banalidades fúteis, do qual pouco sobra na memória dos narradores beckettianos – doentes, velhos, mendigos, palhaços.
Eu realmente entendi este livro?! Claro que não!
Já tinha ouvido falar antes do Samuel Beckett, mas foi só por conta de alguns desafios literários que resolvi apostar nesta história. E que desafio, meu Deus do céu! O livro nos deixa com uma forte sensação de que não compreendemos nada. Que simplesmente nada sabemos de coisa alguma no livro.kkkkkkkkk Foi um erro lê-lo? Não. Porque em muitos momentos eu cheguei sim a me envolver e destacar trechos que mexeram comigo.
"Estarei em breve apesar de tudo completamente morto enfim."
O livro já começa por este trecho tão impactante, no qual o narrador afirma que em breve estará morto. Se você iniciar a leitura sem ter lido a sinopse ficará se perguntando por que ele tinha tanta certeza de que não demoraria a morrer. Mas como eu sempre leio a sinopse antes, sabia do que o narrador estava falando.
Na história temos um homem muito idoso, doente, fraco, aparentemente em seus últimos dias de vida. A velhice acabará por levá-lo, seu tempo na Terra está se esgotando e ciente deste fato, o narrador começa a registrar lembranças, pensamentos desordenados e momentos do seu dia a dia num caderno, utilizando um lápis que ele não sabe bem como foi parar ali. E por falar em "ali"...
"Situação atual. Este quarto parece ser meu. Não posso explicar de outro modo que me deixem aqui. Faz tempo."
O narrador, protagonista da história, não faz ideia de onde está ou como chegou ali. É um quarto, do qual não pode sair se simplesmente desejar. É um manicômio? Um hospital? Um asilo? Não se sabe. Mas o próprio narrador acrescenta: "Não é um quarto de hospital ou de manicômio, isso se sente." Assim, ele próprio tem a impressão de que está numa espécie de asilo, embora não possa ter certeza. Na realidade, certezas não fazem parte desta narrativa. Não se pode confiar no que é contado pelo narrador, pois por conta de suas confusões e momentos de aparente desorientação, não sabemos se as coisas contadas por ele são ou não reais. Se não se tratam apenas de devaneios, ilusões.
Por incrível que pareça, é justamente esse "não saber de nada" que torna o livro tão intrigante. Queremos nos conectar ao personagem, conhecer seu passado, sua vida e isso nos é negado o tempo inteiro pelo autor. É como se tentássemos abrir uma porta trancada à chave, mas não tivéssemos a chave correta. Então, forçamos, tentamos de outras maneiras, até mesmo lutamos para arrombá-la, mas nada funciona. É assim que me senti durante a leitura: mantida do lado de fora, de propósito. Porque aquele era o objetivo do autor.
"Não vou falar dos meus sofrimentos. Metido no mais profundo deles, não sei nada. É aí que morro, à revelia de minha carne estúpida. O que se vê, o que grita e se agita, são os restos."
Apesar da barreira que existe entre o narrador, sua história e nós leitores, isso não nos impede de sentir um profundo incômodo pela situação de total miséria e abandono vivida pelo protagonista. Ali naquele lugar desconhecido, que nada tem de seguro ou confortável, se alimentando apenas uma vez por dia (com sopa) e preso a uma cama, da qual não possui forças para se levantar, pois seus membros não lhe obedecem mais, o personagem está totalmente vulnerável, dependendo da bondade (ou não) de estranhos. Imaginar uma situação tão horrível nos provoca agonia. Eu me sentia sufocada, como se uma mão estivesse apertando minha garganta, de tão agoniada que fiquei.
"Vou abrir meus olhos, me ver tremer, engolir minha sopa, olhar o montinho das minhas posses, dar ao meu corpo as velhas ordens que sei que é incapaz de executar, consultar minha consciência caduca, estragar minha agonia para vivê-la melhor, já longe do mundo que se dilata enfim e me deixa passar."
É muito triste ver o personagem nesta situação. Sentir o vazio daquela vida, a solidão, a velhice que lhe tirou tanto. A ausência de pessoas que se preocupem com ele, que estejam ao seu lado em seus últimos momentos. Isso faz com que nos sintamos mal. Se torna uma leitura muito desgastante emocionalmente.
Durante boa parte do livro sequer sabemos o nome do narrador. E, então, do nada ele "solta" que se chama Malone, mas eu não confiei muito nessa informação, como se nem mesmo o seu nome ele de fato recordasse ou quisesse nos contar. Há a utilização intensa do recurso do fluxo de consciência, o que acaba por nos fazer reler páginas para tentarmos nos "encontrar". Não há divisão em capítulos, partes nem nada parecido. Os parágrafos são muito longos e o narrador faz uma mistura louca de lembranças, histórias inventadas (ou não) e momentos de cada dia vivido ali naquele quarto. Ao mesmo tempo em que aparentemente está compartilhando algumas de suas lembranças, ele começa a contar uma história qualquer e no meio disso tudo nos conta o que aconteceu no seu dia. E aí começa a falar de coisas nas quais pensa... Enfim... É uma confusão só! Parece que vamos enlouquecer antes de conseguir compreender o que se passa no livro.kkkkkkkk...
"Viver e inventar. Tentei. Devo ter tentado. Inventar. Não é a palavra. Viver também não. Não faz mal. Tentei."
Não é uma leitura fácil. Embora flua bem no início, logo começamos a nos perder e sentir que absolutamente nada faz sentido ou que não estamos entendendo algo que deveríamos entender.rs Recomendo para quem quiser se desafiar a ler algo diferente. Bem diferente!rs
Mas, como eu disse, não me arrependi de ler. Realmente me comovi com a situação do protagonista e me senti angustiada com o que ele estava passando em seus últimos dias de vida.
Olá..
ResponderExcluirAdorei a sua resenha!
Ainda não conhecia a obra em questão, mas pelos seus comentários pude perceber que com certeza é um livro que me agradaria, mesmo uma leitura nada fácil. A premissa é bem legal e, é claro, já anotei a sua dica!
Bjo
http://coisasdediane.blogspot.com/
Ainda não conhecia o livro e fiquei empolgada com seus elogios. Essa coisa do inicio ser fluido e então nos sentirmos incomodados, acho que faz parte, né?
ResponderExcluirbeijos
Olá, Luna! Tudo bem?
ResponderExcluirEu já conhecia o livro "Malone Morre" do autor Samuel Beckett, lembro que recebi da editora Coleções Folha anos atrás e foi uma leitura incrível na época, também foi o meu primeiro contato com a escrita do autor naquela oportunidade. Parabéns pela resenha!
Abraço!
Olá!! Obrigada pela resenha. Acabei de ler a obra e quando comecei já sabia que não seria uma leitura fácil. Depois de ler seu texto percebi que tive as mesmas sensações. Ah, gostaria de citar que também sou canceriana apaixonada por romances históricos e clássicos. Abraços!!
ResponderExcluirOlá!
ExcluirÉ realmente uma leitura difícil, mas interessante, não é? A história me fez refletir bastante.
Fico feliz por você ter gostado da resenha! :)
Amei saber que você também é canceriana! E o que seria de nós sem os romances históricos, os de época e os clássicos! Eles são maravilhosos e nos fazem viajar para outros períodos e lugares.
Bjs!