6 de setembro de 2019

O Sol na Cabeça - Geovani Martins

Tempo de leitura:

Literatura Brasileira
Editora: Companhia das Letras
Edição de: 2018
Páginas: 120
Onde comprar: Amazon


Sinopse: O sol carioca esquenta a prosa destes treze contos que retratam a infância e a adolescência de moradores de favelas como jamais foram retratados. O prazer dos banhos de mar, as brincadeiras de rua, a adrenalina da pichação, as paqueras e o barato do baseado são modulados tanto pela violência da polícia e do tráfico quanto pela discriminação racial indisfarçável no olhar da classe média amedrontada. Com a estreia de Geovani Martins, a literatura brasileira encontra a voz de seu novo realismo. 



Não sei nem por onde começar a falar de O Sol na Cabeça, livro que reúne treze impactantes contos do autor Geovani Martins, nascido em Bangu, que morou em outras comunidades do Rio de Janeiro, como a Rocinha, antes de ir para o Vidigal. Nesta coletânea, aborda assuntos que geralmente ficam à margem da literatura, mas que se propôs a mostrar, para cutucar a sociedade, incomodar até o ponto que não pudéssemos mais ignorar. Aqui temos a realidade nua e crua mesclada com a ficção. Temos situações das quais parte da sociedade sequer ouviu falar.. Uma realidade de desespero, onde já se parece nascer condenado. 

"Esses polícia é tudo covarde mermo, dando baque no feriado, com geral na rua, em tempo de acertar uma criança."

Eu já tinha ouvido falar bastante do livro, tanto li resenhas positivas quanto negativas. E foi a proposta da obra que me fez desejar conhecê-la. Porque puxando pela memória não conseguia recordar algum momento em que tenha lido algo semelhante. Ainda que tenha lido alguns livros que falam de situações de miserabilidade, violência e outras realidades tão angustiantes, nunca tinha passado por um livro que falasse das comunidades, do tráfico de drogas, das crianças e adolescentes que crescem nesse ambiente, sem oportunidades, sem esperanças, mas que ainda assim querem acreditar em alguma coisa... ainda assim brincam na rua, mesmo com o risco da troca de tiros a qualquer momento... que vão à praia para tomar banho e curtir o momento de lazer, como qualquer carioca, mas que acabam sendo vistos com desprezo pelos "playboys" e abordados pela polícia.... Enfim... São tantas situações mostradas pelo autor que sentimos um nó na garganta e uma sensação de vazio quando terminamos de ler. 


"O que pouco se fala é que, diferente das outras favelas, o abismo que marca a fronteira entre o morro e o asfalto na Zona Sul é muito mais profundo. É foda sair do beco, dividindo com canos e mais canos o espaço da escada, atravessar as valas abertas, encarar os olhares dos ratos, desviar a cabeça dos fios de energia elétrica, ver seus amigos de infância portando armas de guerra, pra depois de quinze minutos estar de frente pra um condomínio, com plantas ornamentais enfeitando o caminho das grades, e então assistir adolescentes fazendo aulas particulares de tênis. É tudo muito próximo e muito distante. E, quanto mais crescemos, maiores se tornam os muros."

É difícil falar deste livro, pois todos os contos mexeram comigo, de uma forma ou de outra, me atingiram, sabe? Ver a perda da infância daqueles que tão novos já trabalhavam para o tráfico, na esperança de comprar um tênis bonito, comer algo legal, ter dinheiro para passear ou simplesmente para ajudar em casa. Crianças pequenas acostumadas com a violência, que é tão presente em suas vidas, sobretudo quando acontecem os confrontos e ninguém parece querer saber se uma bala perdida vai atingir um inocente. Se você assiste ou lê jornais sabe que isso já se tornou até "normal" no RJ. Quantas vidas perdidas? Quantas famílias chorando, com um buraco que nunca vai fechar, um vazio que não pode ser preenchido... Crianças baleadas na escola, indo para o treino de futebol, brincando na rua... Pessoas atingidas até dentro de suas próprias casas. Ler este livro te faz recordar todas essas notícias, te faz pensar muito...

Nele o autor não economizou em críticas à sociedade e à violência policial, que é evidente em muitos dos contos. Sentimos revolta só em ler, imagina passando pelas situações das quais o autor fala! Moradores sendo "esculachados", viciados sendo torturados por aqueles que deveriam respeitar as leis, pessoas desaparecendo... Enfim... Claro que ele mostra os dois lados e isso é pesado. Mas o que provoca uma repulsa e uma raiva enorme é que não é porque aqueles que estão à margem da lei fazem o que querem que os que têm a obrigação de segui-la vão desobedecê-la também, entende? Embora a violência dos criminosos nos assuste e roube o sono enquanto lemos os contos, a violência por parte do Estado é o que mais dói em nós, pois fica parecendo que a sociedade está a mercê de dois males e isso é muito triste. 

Não sei qual conto ao certo mexeu mais com as minhas emoções, mas aposto em Roleta-russa, pois lembro que meu coração chegou a literalmente acelerar, de tão nervosa que fiquei. Nele temos uma criança que mora com o pai num quartinho com banheiro. Acontece que o pai começa a trabalhar como segurança e leva a arma para casa, guardando-a dentro de uma gaveta na cômoda que "sustentava" a televisão. Um dia, o pai sai e deixa a arma em casa. E o que acontece? A criança resolve levar a arma para a rua, para brincar com as outras crianças. Eu quase tive um troço, gente. Sério! Devo ter ficado pálida lendo este conto, pois minha mãe perguntou o que eu tinha, perguntou por que eu estava com aquela cara. Senti uma angústia muito forte lendo este conto, temendo pela vida do menino e dos colegas dele, morrendo de medo da "brincadeira" terminar mal. 

São muitos os assuntos tratados nestes treze contos, alguns até são mais leves, falando da infância e de brincadeiras e pensamentos comuns à idade, mas a maioria deles acaba sendo pesado. Fiquei admirada com o talento do autor para narrar, a forma como ele cria todo um suspense, fazendo com que não consigamos parar de ler sem saber como cada conto terminará. Sem mencionar alguns finais que são de tirar o fôlego de tão impactantes. O final de "Roleta-russa" mesmo, fiquei um tanto irritada pelo autor terminar o conto daquele jeito. Já "Sextou" e "Travessia" acabam sendo uns dos mais fortes presentes no livro, que provocam um sentimento doloroso dentro de nós. Mas, pra falar a verdade, todos os contos fizeram isso comigo, até mesmo os mais leves. Simplesmente não consegui ficar indiferente ao que era abordado explícita ou implicitamente. 

Aqui não temos muitos contos "bonitinhos". Como eu disse, tem muito de realidade aqui, o autor utiliza da ficção para falar de assuntos e situações reais. Da diferença gritante entre uma criança e um adolescente que cresce na favela e uma criança e adolescente que cresce cercado de proteção e nunca sequer teve contato com a realidade da violência tão "normal" na vida dos que não são privilegiados. Aqui fala de discriminação, de situações de miséria e fome, desemprego e ausência de oportunidades, sonhos que não se realizam, violência dos criminosos e da polícia (inclusive contra moradores). Enfim... Tem que ter estrutura emocional para ler este livro. Eu me senti muito mal. Todavia, não me arrependo de lê-lo, pois livros assim são essenciais. 

Setembro: Livro de contos. 


Leitora apaixonada por romances de época, clássicos e thrillers. Mãe da minha eterna princesa Luana e dos meus príncipes Celestino, Felipe e Damon (gatinhos filhos do coração). Filha carinhosa. Irmã dedicada. Amiga para todas as horas. Acredita em Deus. E no poder do amor.

8 comentários:

  1. Olá, tudo bem?

    Não conhecia esse livro e confesso que lendo sua resenha fiquei num misto de quero e não quero ler. Quero ler porque achei interessante esses contos, mas ao mesmo tempo não quero, porque não sei como me sentiria lendo essa realidade [que é diferente do que lemos nos jornais]. Vou anotar a dica e quem sabe quando tiver mais disposta, eu dê uma chance.

    Beijos

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  2. Olá! Esse livro já se encontrava em minha lista de leitura mas eu simplesmente amei a sua resenha e agora ele passou para minha lista de desejados! Adoro livros que tratam da realidade, essa violência nas comunidades e do tráfico de drogas deve ser chocante! Principalmente quando envolve crianças, como você comenta no conto roleta-russa. Se os finais são muito impactantes, tenho certeza de que vou amar a leitura! Beijos! Karla Samira

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  3. Oiiii,

    Fiquei curiosa para conferir a leitura só porque to todos os contos fe alguma forma conseguiram te atingir. Eu não sou muito fã de contos, mas achei incrível mostrar a parte da sociedade que a maior parte das pessoas insistem em não querer analisar. Espero poder conferir em breve.

    Beijinhos...
    http://www.equipenerd.com.br

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  4. Achei incrível a dose de realidade que esses contos possuem, sem dúvida, um ponto muito positivo para a obra e o autor. Não conhecia esse livro ainda, mas já fiquei bem interessada, pois gosto muito de ler contos, ainda mais quando são impactantes como este parece ser.
    Dica anotada.
    Beijos!

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  5. Oi Luna!
    A realidade nua e crua em que as vezes tampamos nossos olhos para essa crueldade, lendo sua resenha já me subiu um mal estar só de pensar nessas situações reais que são cruéis e as vezes até desumanas, mas tirando uma lição disso, uma reflexão. Não conhecia esse livro, mas já fiquei curiosa em dar uma olhada na trama, parabéns pela resenha, sua sinceridade e sua espontaneidade nas palavras, me deixou empolgada para conferir a leitura. Bjs!

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  6. Oi!
    Acho que já vi a capa desse livro, mas não cheguei a pegar para ler.
    Acho muito bacana quando um autor pega um tema e usa para cutucar a sociedade. Eu costumo procurar esse gênero em filmes e quase não leio livros assim. Adorei a sua resenha e fiquei um pouco curiosa, porém ao mesmo tempo estou insegura já que você disse que a sensação final que fica ao terminar a leitura é um vazio. Acho que não estou em um bom momento para ler agora, mas deixarei anotado caso deseje ler futuramente.
    Espero ter uma experiência positiva com a leitura e levar alguns conhecimentos e lições que esse autor tenta passar.

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  7. Olá!

    Li esse livro assim que saiu, não sou muito ligada em contos, mas confesso que em Sol na cabeça eles me prenderam muito e acho que fecharam sem maiores pontas soltas. Não é um livro fácil, na verdade para mim incomodou a forma crua de se tratar do cotidiano de tantos, mas acredito que a função do livro seja mostrar uma realidade distinta a de uma parcela da população e incomodar, levantando discussões pertinentes para a sociedade como um todo. Para mim foi uma leitura muito válida e que bom que valeu para você também.

    Beijos

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  8. Olá Luna, tudo bom?
    Já vi muitos comentários sobre esse livro e confesso que tenho muita, mas muita vontade mesmo de lê-lo. Acho importante obras assim, onde se enxerga de fato a realidade, onde não se romantiza a dor e a forma como as pessoas que nascem nas favelas crescem muitas vezes marginalizadas e sem esperança. Livros assim são necessários para nos tirar da bolha, para mostrar o que está errado, afinal, se continuarmos jogando os problemas para 'debaixo do tapete', essa realidade dura e revoltante nunca vai mudar né? Anotei a dica e espero poder conferir esta leitura em breve. Amei sua resenha! Só por ela já deu para sentir o quanto este livro será impactante ♥
    Beijos!

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