(Título Original: The Memory Keeper's Daughter
Tradutora: Vera Ribeiro
Editora: Arqueiro
Edição de: 2007)
Com mais de três milhões de exemplares vendidos nos Estados Unidos, O Guardião de Memórias é uma fascinante história sobre vidas paralelas, famílias separadas pelo destino, segredos do passado e o infinito poder do amor verdadeiro.
Inverno de 1964. Uma violenta tempestade de neve obriga o Dr. David Henry a fazer o parto de seus filhos gêmeos. O menino, primeiro a nascer, é perfeitamente saudável, mas o médico logo reconhece na menina sinais da síndrome de Down.
Guiado por um impulso irrefreável e por dolorosas lembranças do passado, Dr. Henry toma uma decisão que mudará para sempre a vida de todos e o assombrará até a morte: ele pede que sua enfermeira, Caroline, entregue a criança para adoção e diz à esposa que a menina não sobreviveu.
Tocada pela fragilidade do bebê, Caroline decide sair da cidade e criar Phoebe como sua própria filha. E Norah, a mãe, jamais consegue se recuperar do imenso vazio causado pela ausência da menina. A partir daí, uma intrincada trama de segredos, mentiras e traições se desenrola, abrindo feridas que nem o tempo será capaz de curar.
A força deste livro não está apenas em sua construção bem amarrada ou no realismo de seus personagens, mas, principalmente, na sua capacidade de envolver o leitor da primeira à última página.
Com uma trama tensa e cheia de surpresas, O Guardião de Memórias vai emocionar e mostrar o profundo - e às vezes irreversível - poder de nossas escolhas.
Palavras de uma leitora...
Quando vocês lerem esta resenha, já será dia 1 de outubro, embora eu a tenha iniciado às onze e meia da noite do dia 30. E enquanto escrevo não paro de pensar no quanto a vida é fugaz... em como cada momento é único e irrecuperável. Nunca mais será dia 30 de setembro de 2017 de novo. Um dia que se perderá na passagem do tempo, que nem recordado será. Esquecido como se nunca tivesse existido.
São tantos momentos... tanta vida acontecendo em diversos lugares diferentes. Milhões e milhões de histórias ocorrendo neste instante. E quantas outras aconteceram antes? Séculos atrás? Milênios atrás? Vidas que se entrelaçam modificando o destino das pessoas. Entes queridos eternizados pelas lembranças daqueles que ainda os amam e que, enquanto viverem, também os manterão vivos de certa forma... Um dia nós também seremos passado. Se lembrarão de nós num momento especial ou num dia qualquer quando um gesto de alguém, uma música, um livro, os fizer recordar. E então... quando essas pessoas também partirem não existirá nada que nos mantenha vivos aqui. Nem mesmo alguém que se lembre...
Melancólico isso, não é mesmo? Triste e verdadeiro, por mais que queiramos negar. É o caminho da vida. Um motivo maior para aproveitarmos tudo o que temos. Cada momento que não voltará mais. São em coisas assim que O Guardião de Memórias nos faz pensar.
- Comprei este livro em 2011. A verdade é que já não recordo bem o que me levou até ele. Lembro vagamente de ele ter chamado minha atenção. A capa, o título... senti uma vontade irresistível de trazê-lo. Mas durante seis anos me neguei a arriscar a leitura. Não me sentia preparada para desvendar os segredos que se escondiam em suas páginas. Sabia que seria um livro que me tiraria de minha zona de conforto. Não é à toa que só tomei coragem de lê-lo este ano, ao participar de um desafio de leitura. Não existia livro que melhor se encaixasse no tema do mês de setembro. Por isso, respirei fundo e resolvi lê-lo. E, sinceramente, não sei bem o que sinto.
"Mais tarde, ao pensar nessa noite - e pensaria nela muitas vezes, nos meses e anos seguintes: o momento decisivo de sua vida, em torno de cujos instantes sempre giraria todo o resto -, o que lembrou foi o silêncio da sala e a neve caindo lá fora, ininterrupta."
- Era para ser o começo de toda a sua vida. O início de sua família. Mas foi o final. Qualquer coisa que ele tivesse sonhado, tudo o que pudesse vir a acontecer estava perdido. Uma escolha havia destruído tudo. Se tivesse imaginado tudo o que perderia ao fazer o que acreditava ser o certo, não teria tomado aquela decisão. Mas não sabia. E com toda sua alma achava que estava apenas protegendo aqueles que amava da dor. Teria a vida inteira para se arrepender.
Durante uma terrível tempestade de neve, o doutor David Henry foi obrigado a fazer o parto de sua jovem esposa, pois o médico não tinha conseguido chegar a tempo. Contando com a assistência de sua competente enfermeira, Caroline Gill, ele trouxe ao mundo seu filho. Um lindo menino. Perfeito e saudável. Sentiu-se vivo naquele momento. Um algo mais. Aquele ser pequeno era uma parte sua e da mulher que ele amava. Tudo ficaria bem. Porém, as novas contrações de Norah os surpreenderam com o fato de que na verdade ela esperava gêmeos e o outro bebê também queria nascer.
Recuperando-se do choque, David voltou a ocupar o papel de médico e guiou sua pequena filha para fora do útero da mãe. A repetição dos mesmos procedimentos, mas a vida de todos mudou para sempre no instante em que ele viu o rostinho da filha. Não foi difícil reconhecer os sinais da Síndrome de Down. E saber o que precisaria fazer...
"Ele não imaginou, como faria mais tarde nessa noite, e em muitas noites subsequentes, a que ponto estava pondo tudo em risco."
Pedindo a Caroline que levasse a menina para a outra sala enquanto era invadido pelas lembranças de sua própria infância, crescendo ao lado de uma irmã condenada pela mesma doença, David amadurecia a decisão que tomara no momento em que a olhou pela primeira vez. Havia perdido a irmã quando ela tinha apenas doze anos de idade. Um dia ela simplesmente parou de respirar. E embora sua mãe tivesse vivido por vários outros anos após a filha partir, a verdade é que morrera no mesmo dia. Nunca mais ela tinha sido a mesma. E o vento que a filha tanto tinha amado, ela aprendeu a odiar. David não queria reviver o mesmo pesadelo. Não suportaria passar por tudo aquilo de novo. E, mais do que tudo, necessitava proteger Norah da dor.
Determinado e destroçado ao mesmo tempo, entregou a filha para Caroline, pedindo a ela que levasse a menina para longe, que a deixasse numa instituição preparada para lidar com casos assim. Profundamente chocada, Caroline demorou a entender o que ele dizia. E Norah?, quis saber. Ele disse que conversaria com ela, que a faria compreender que aquilo era o melhor para todos. Todavia, quando Caroline partiu com a menina e Norah despertou, não foram essas as palavras que saíram da boca de David. Não contou para ela o que tinha feito. Não disse que a filhinha deles estava a caminho de uma instituição para deficientes mentais. O que ele disse foi bem diferente... Olhando nos olhos da mulher a quem amava, disse que sentia muito, mas que a menina não havia sobrevivido. Que a filha deles nunca tinha chegado a respirar.
Uma mentira. Mais que um pecado. Ele havia feito a sua escolha. E com ela destruíra absolutamente tudo. Até mesmo o amor que um dia o uniu à sua mulher. Durante os vinte e cinco anos seguintes pagaria por aquela noite. Desejaria voltar no tempo e consertar o que quebrara com suas próprias mãos. Mas o tempo é impiedoso. Ele nos traz arrependimentos sem nunca nos dar a oportunidade de refazer o que não tem retorno.
"Em todo fim, portanto, havia um começo."
- Nem sei por onde começar... É uma frase que já repeti inúmeras vezes em minhas resenhas, mas é a pura verdade. Quando lemos um livro como este não é fácil encontrar as palavras, organizar os pensamentos, saber o que de fato sentimos por ele.
Ódio foi a primeira coisa que senti pelo David, é claro. Uma fúria que me fazia apertar o livro, que me deixava com imensa vontade de abandonar a leitura. Eu o desprezava com todas as minhas forças. Como amar um homem que foi capaz de se desfazer da própria filha como se ela fosse um objeto qualquer? Como não odiar alguém que além de ter feito algo tão terrível ainda teve coragem de mentir para a mãe da menina, ainda foi capaz de dizer que a bebê havia morrido? Alguém que via o desespero da mulher, a dor sempre presente em seus olhos e mesmo assim jamais disse a verdade, nunca voltou atrás? Impossível não sentir repulsa, nojo, desprezo. Todavia, o mundo não é preto e branco, queridos. Existem muitos tons de cinza. A vida está longe de ser perfeita e é exatamente o que este livro nos mostra. A realidade. O poder que nossas escolhas possuem. A maneira como uma pessoa aparentemente boa pode tomar uma decisão monstruosa e assim mudar a vida de diversas outras pessoas.
- Quando iniciamos a leitura, conhecemos um pouco do passado recente de Norah e David. O primeiro encontro, a maneira como ele se apaixonou à primeira vista e soube que aquela jovem reservada e bela em sua timidez era a mulher da sua vida. A única que ele amaria até o seu último dia. O envolvimento foi rápido e intenso. Em pouquíssimos meses estavam casados. Não demorou muito para a gravidez. Um bebê muito desejado, ansiado pelos dois. Ambos tinham planos, a vida inteira para construírem juntos. Era o ano de 1964.
E o livro prossegue assim. Ele não pula direto para o presente. Ele segue lentamente, partindo do início de tudo. Nos mostrando como as coisas começaram antes de nos fazer encarar o seu final. Além disso, ele nos mostra quatro pontos de vistas diferentes, ainda que narrados em terceira pessoa. Conhecemos os pensamentos e sentimentos da Norah, a mãe que sofria pela morte de sua bebê e via seu casamento desfazer-se sem que ela pudesse impedir. Também temos a oportunidade de conhecer profundamente o David e a maneira como ele nunca se perdoou pelo que tinha feito, embora não tivesse forças para contar toda a verdade. Também acompanhamos o Paul, filho deles, e a maneira como aquele acontecimento afetou sua vida. E, é claro, também vemos a vida e o ponto de vista da Caroline que, naquela noite, pegou a bebê nos braços e não teve coragem de deixá-la numa instituição horrível. A mulher que secretamente era apaixonada por seu chefe, o mesmo David que lhe pedira o impensável, e que escolhera ficar com a menina e partira para bem longe, sabendo que Norah acreditava que a filha estava morta. Sabendo que era cúmplice de David naquele crime e mesmo assim indo em frente, sem jamais voltar atrás.
"Os três levariam sua vida, um dia atrás do outro, afastando-se passo a passo da filha perdida."
- Não é uma leitura fácil. É amarga, dolorosa. É extremamente difícil ver os personagens chegando ao fundo do poço lentamente. Se tudo tivesse acontecido de maneira rápida, teria sido mais suportável. Porém, não é assim. A destruição é lenta. Todo um processo. Os sorrisos se apagam aos poucos, a tristeza vai ganhando espaço nos olhos, no rosto, na tensão sempre presente no corpo do casal. Começa a invadir os ambientes, cada canto da casa e se estender até não sobrar espaço para o amor. Norah se afoga na dor pela perda da filha que nunca pegou nos braços e toda vez que procurava o consolo do marido, ele não estava. Sempre estava com muito trabalho no hospital e se ela tocava no nome da bebê, ele se fechava ou reagia de maneira agressiva, como se ela estivesse sofrendo de maneira exagerada. Como se não tivesse motivos para isso, pois eles tinham uma vida boa e um filho. Não a compreendia e assim as pontes foram caindo... De tanto precisar dele e não tê-lo, acostumou-se. Ao ponto de realmente deixar de precisar do seu carinho, do seu apoio ou conforto. Guardou luto pela bebê sozinha e tentou reconstruir sua vida deixando David do lado de fora. Por mais que ainda vivessem na mesma casa.
Com o tempo, vieram as traições. Se é que ela poderia encará-las assim. Não sabia bem o que sentia quando deitava-se com outros homens. Realmente estava traindo o marido? Ele ainda existia? Se importava? Às vezes, quando o ressentimento e a dor diminuíam por alguns instantes, pegava-se recordando... perguntando-se como tinham chegado àquele ponto. Onde tinha ido parar o amor que ela acreditava que duraria para sempre? Um dia desejou envelhecer ao lado do marido. Sonhos perdidos. Enterrados no mesmo túmulo em que sua filha descansava.
"Dera sua própria filha. Esse segredo tinha ficado no centro de sua família, havia moldado sua vida em comum. David o conhecia, podia enxergá-lo, visível como um muro de pedra erguido entre eles."
David, por sua vez, se desfizera da filha acreditando que estava poupando a todos da dor. Que a criança não teria muito tempo de vida. Que aquilo era o melhor. No entanto, não pôde esquecer. Não conseguiu tirá-la de sua cabeça. Recordava muitas vezes aqueles breves momentos em que a teve em seus braços, em que sentiu sua pele, a vida correndo por seu corpo pequeno e frágil e a entregou à Caroline. Desejava vê-la. Reencontrá-la mesmo que soubesse que era tarde demais. Tudo se misturava em sua mente, a dor que carregava era uma mescla da que enfrentou num passado distante, ao perder a irmã e a que era obrigado a suportar por ter aberto mão de sua filha. Não conseguia encarar os olhos tristes de Norah, ver a transformação que ocorrera em sua mulher sem sentir as fisgadas intensas da culpa. Foi o primeiro a erguer os muros. E quando descobriu suas traições, não conseguiu condená-la. Seguiu ao seu lado. Porque cada atitude de Norah era consequência de seu próprio erro. Como condená-la se seus próprios pecados eram maiores?
"Havia guardado esse silêncio porque seus próprios segredos eram mais sombrios, mais ocultos, e por acreditar que seus segredos haviam criado os dela."
- Como eu disse, não é uma leitura fácil. Ela nos traz um drama familiar forte e palpável. Real, até. Nos envolve na vida dos personagens, faz com que nos coloquemos no lugar de cada um deles e entendamos como toda a situação era difícil e nos fazendo perguntar a nós mesmos que escolhas teríamos feito no lugar deles. Norah, David, Caroline e Paul. Conforme a vida deles se desenvolve com o passar da história, ocupamos o lugar de cada um e isso nos faz refletir. Bastante.
É fácil julgarmos o David por ter aberto mão da filha. Eu julguei e continuo sentindo muita raiva pelo que ele fez, embora tenha deixado de odiá-lo. Ele realmente não precisava do meu ódio. Se desprezava o suficiente. E pagava. A verdade é que pagou por toda a vida. E também é fácil condenarmos a Norah por suas traições. Podemos pensar que ela não deveria ter feito isso, que era só pedir o divórcio e ponto final. Só que a vida real é muito mais complicada que a ficção e este livro, apesar de ser uma obra de ficção, tenta se aproximar o máximo da realidade. Da vida como ela é. Dos erros, da imperfeição do seres humanos. Das escolhas que fazemos e constroem ou destroem tudo. Em como pessoas boas podem errar. Em como esse conceito de "bom" ou "mau" não é tão definido assim. Não temos mocinhos e vilões neste livro. Temos seres humanos imperfeitos lidando com suas vidas e a consequência de suas decisões.
- Eu senti simpatia e antipatia pelos três principais: Norah, David e Caroline. Nenhum deles era o "correto" ou uma completa vítima. O que fizeram com a Norah era imperdoável e um crime. Impossível não sentirmos uma revolta intensa por terem arrancado o seu bebê. Pelas mentiras, pelo luto que ela vivia sem saber que chorava por um bebê que estava vivo, crescendo longe dela. Neste aspecto, ela era sim uma vítima. Mas a história segue e ela também comete seus erros. Também tem sua parcela de culpa pelo fracasso do casamento e os problemas com o filho. David... ele desencadeou tudo. Mas posso somente culpá-lo? Ele era um vilão, um monstro? A verdade é que não. Era um ser humano marcado por uma infância que não conseguiu esquecer. Pelas lembranças de perdas que não superou, pelo fantasma de uma irmã que morreu cedo demais, vítima da mesma síndrome de sua filha. Os erros dele são imensos, ainda piores porque ele seguiu mentindo por muitos e muitos anos. Todavia, não tenho coração para ignorar o tormento que ele vivia. Porque ele sofreu. E muito.
E ainda temos a Caroline. A "boa" moça que não teve coragem de deixar um bebê numa instituição assustadora. E que então foi embora com a neném e a criou como filha. Ela não é nenhuma santa. Estava apaixonada pelo David e se ressentia porque a Norah ocupava o lugar que ela desejava que fosse seu. Ela foi cúmplice do David, mesmo que tenha pedido para ele contar a verdade. Porque ela tinha boca, porque poderia ter contado tudo, mas preferiu partir. Levou um bebê que ela sabia que não lhe pertencia. Ela viu a dor da Norah na homenagem feita à filha que ela acreditava que estava morta. E mesmo assim a Caroline foi embora. Seu erro não é menor que o de ninguém. Seus motivos não foram altruístas. Ela realmente deu sua vida à Phoebe, a menina. Não nego. Fez tudo por ela. Mas não precisava ter feito. Porque a criança tinha mãe. Uma mãe que a queria, que sofria sua ausência. Isso também não tem perdão.
- Já falei muito.rsrs Foram tantas a emoções que este livro me provocou... Ainda estou perturbada. Depois dele com certeza necessitarei de uma leitura leve.
"Essa era a tristeza que ele havia carregado consigo, pesada como uma pedra no coração. Essa era a tristeza de que tentara poupar Norah e Paul, e só fizera criar muitas outras."
O Guardião de Memórias foi minha escolha para o tema de setembro do Desafio 12 Meses Literários. O tema foi: um livro que te tire da zona de conforto. Este livro com certeza fez isso! Só o li por causa do desafio. Senão seguiria adiando a leitura por tempo indeterminado.rs
Este é um caso de resenha postada excepcionalmente no final de semana. Os posts pré-fixados são às segundas e sextas-feiras. :)
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